17h36. Não consigo conectar o som ao computador, queria
“Utopia” para escrever. Vou reiniciar a máquina. É uma pena porque os conteúdos
da terapia aos poucos se esvaem da minha memória. Mas sinto necessidade de
reiniciar a máquina e o farei, talvez até porque queira que os conteúdos se vão
da minha memória. Achei essa sessão bem mais legal que a primeira. Acho que
estou começando a me aclimatar com Ju e ela ser mais ela e eu ser mais eu. Por
mais que agora esteja achando estranho. O que não foi estranho em absoluto.
Bem, vou reiniciar.
17h50. Finalmente estou de volta. O computador ainda não
carregou o Spotify, mas acho que o som está conectado a ele uma vez mais.
Conectou, está tocando “Features Creatures” do “Utopia”. Vou contar pelo que me
vier primeiro à cabeça. Falei da sugestão do meu primo urbano de instalar o
programa de som no meu computador para que eu brincasse e do meu receio de não
compreender o seu funcionamento ou não ter saco para brincar com o programa. De
toda forma, disse que levaria o computador para a casa dele na próxima sessão
de games para, se ele tiver disponibilidade, instalar o programa para mim. Se
não tiver, também não tem problema. Me bateu agora um frio na espinha em saber
que pode rolar um próximo encontro na casa do meu primo. Um rápido surto de
pânico que já passou. Mas se o encontro fosse hoje, não estaria preparado para
ele. Falei da ideia de chamar a minha prima de Natal para umas cervejas na
Praça. Ela, pelo que entendo, tem problemas de ordem psicológica semelhante aos
meus, não sei se precisamente bipolaridade, mas algo dessa natureza, mas, ao
contrário de mim, se aceita completamente e vive plenamente, ou seja, arrumou
uma solução oposta à minha para a sua condição existencial. Enquanto eu me
privo cada vez mais de viver a vida para além das teclas do meu computador, ela
a abraça vorazmente. Seria uma pessoa interessante para interagir e, quem sabe,
aprender uma coisa ou outra sobre a vida e a forma de levá-la. Não sei se tenho
coragem para fazer tal convite, entretanto. Foi uma ideia que me surgiu na
terapia, ou ainda antes, quando soube que ela ficaria no Recife até
quarta-feira. Mas essas ideias, da mesma forma que se impõem, se retraem com os
rabos entre as pernas, quando me ponho a racionalizá-las. Não sei se o termo é
esse, mas a sensação é que cada vez que penso mais sobre a ideia, mais ela se
distancia de mim. Isso é mau. De toda sorte só poderei contatá-la quando o meu
celular carregar. E o coloquei para carregar quando cheguei da terapia. Vamos
ver como enxergo o assunto quando a luz do celular se tornar verde. Saí mais
leve da terapia do que quando entrei. Antes de entrar me pus a apreender a
bucólica existência, com suas formigas inclusas, que a área externa do espaço
terapêutico me apresentava. Mas não vou tratar disso. Acho que a conclusão da
terapia foi repensar qual o meu posicionamento em relação a trocas. O momento
de receber e o momento de me doar nas relações. Eu exercito muito mais o lado
de doar o meu ouvido para receber o que vem do outro, indagando do outro e
apreendendo do outro do que me colocando, falando das minhas próprias
percepções, ações e experiências. Esse desequilíbrio é uma forma de me
esconder, esconder a imensidade do meu fracasso como pessoa, ou o tamanho do
fracasso que vejo em mim. Ju não disse isso, intuo isso agora. O que ela me
sugeriu foi que talvez eu tivesse lá a minha parte de experiências válidas e
interessantes para repartir e que eu devo reparar nessas trocas com o outro.
Falou ainda que a postura de observador, que é a posição em que me coloco
geralmente nas situações em que me encontro, é uma das muitas posturas válidas
que posso assumir. Que talvez seja bom experimentar mais com outras posturas,
se eu me sentir confortável nessa experimentação. Não lembro se ela achou
válido eu chamar a minha prima para conversar na Praça, mas se é uma iniciativa
de socialização e troca que partiu de mim, certamente é válida, tanto quanto é
rara. Vamos ver se eu farei esse movimento na existência, mas confesso que acho
que não terei coragem. Foi uma ótima para mim o celular estar sem carga. Quando
Ju pediu que eu desse uma cara à minha imagem de saída, me vieram duas pessoas
do meu círculo social que eu intuo que me acham um ser desprezível. O que nem
sei se é verdade. Mas conversamos muito tempo sobre os atributos intimidantes
dessas pessoas. Beleza, extroversão, autoconfiança, boa postura social e
inteligência foram e são alguns que me surgem no momento. Sei que me disse com
inveja de tais atributos. Como deveras tenho e sinto nesse exato momento. Minha
mãe chegou e me desconectou completamente do assunto. Falamos de mamãe também.
Do meu temor de que sua confusão mental e seus esquecimentos sejam indicação do
mal maior, a demência. A ideia me assusta, não saberia cuidar dela. Deposito
toda a minha esperança que tais lapsos sejam acarretados pelo remédio que toma.
E que tomará por mais uma década. Do que mais tratei na terapia? Da escrita,
obviamente, visto que parte maior da minha vida. Eu disse que era mais fácil
ouvir que ler e que era mais fácil escrever do que falar. A garota da noite
surgiu também como figura idealizada de um namoro. Falei da vontade de escrever
uma carta para ela, publicar e mandar-lhe um link. Ju não se manifestou sobre o
assunto ou pelo menos não me repreendeu da empreitada. Só disse que não há
nenhuma lei instituindo que indicar um filme a uma paquera seja uma abordagem
ridícula, como eu julguei que seria depois do comentário gestual da minha amiga
filósofa. Que por sinal julgo ser uma boa filósofa, visto que consegue explicar
para um leigo pensamentos filosóficos. Só quem entende profundamente do que
fala, pode tornar aquilo fácil e compreensível para quem não sabe nada sobre o
assunto, como eu. Acho que tal conclusão merecia ser repartida com ela. Não sei
se estou viajando, mas me deu vontade de publicar isso no grupo da turma, o meu
canal de comunicação com ela. Não sei, nem posso fazê-lo agora porque o celular
está carregando. Estou com sudorese nas mãos. Não muito, um pouco. O que mais posso
dizer da terapia? Acho que fomos mais entrópicos um com o outro, eu e Ju. Dessa
vez, nessa sessão, a vi mais como a Ju de antigamente, a Ju que esperava
encontrar e ser tratado por, que na primeira sessão. Saí mais leve e alegre da
sessão como da outra vez, com esse adicional de reconhecimento e familiaridade
com ela. Acho que fui compreendido e acolhido e me questionei sobre coisas
relevantes para mim, coisas que talvez me levem a gradual transformação em um
ser mais social. Ou em alguém mais em paz com as minhas escolhas. Ainda bem que
ela não trouxe nenhum exercício de arteterapia para eu fazer, acho que diluiria
a sessão, pelo menos essa que tivemos. De qualquer forma, mencionei a alusão
bastante visual do poço cujo fundo é o isolamento social completo e de estar me
segurando nas paredes para não cair de vez, e que vejo na terapia a mão amiga
que me fará subir e sair do poço etc. e etc. Esqueci de dizer que me vejo como
uma figura infantilizada. Mais essa para o meu rol de fracassos, fracassei
também em crescer. Coleciono bonecos, jogo videogames (leia-se Super Mario
Odyssey) e não gosto de sexo. Hahaha. Sobre sexo não nos aprofundamos muito,
mas há muito o que se trabalhar nesse aspecto. Minha repulsa à penetração
precisa ser revista. Minha última experiência foi, novamente a palavra que
parece estampar meu ser em todas as suas facetas, um fracasso. Fiquei sem
fôlego e sem tesão pela figura porque não tinha um elo afetivo verdadeiro com
ela. Disse que gostava das preliminares, mas que o coito em si não me agradava.
Que não gostava do meu pau, por mais que seu tamanho esteja dentro da média
nacional de nenhuma mulher ter reclamado etc. e etc. Eu vejo o coito como um
comportamento bestial, animal, selvagem, bruto, sem requinte, como cagar. E eu
não posso ver assim, pois torna-se algo abjeto para mim. Disse que o sexo
tornar-se-ia pelo menos possível se evoluísse de um envolvimento afetivo.
Incrível como todas as minhas projeções são com a garota da noite. Ela se
tornou a protagonista de todas as minhas projeções com o sexo oposto. Ju
pontuou que eu fosse uma pessoa diferente das demais. Mas isso não ajudou
muito, pois em sendo diferente, fico de mãos abanando. Brinquei até dizendo que
talvez eu seja o último romântico dos litorais desse Oceano Atlântico. É um
assunto mal resolvido que certamente tomará muito tempo de terapia. Ou não.
Quem sabe não encontre um par no meio do processo? Há ainda um ponto
fundamental, que toquei na primeira sessão e não toquei nessa, no que tange a
construção de tais intimidades, como conciliarei minha escrita, a narrativa da
minha vida se tiver alguém tão presente nela? Será que tal pessoa consentiria
em ter sua intimidade assim aberta para os olhos do mundo? Como escreveria sem
mencionar as vivências que teria com uma namorada? Há um claro conflito aí,
pois sei que ninguém é tão exibicionista a esse ponto como eu. Como faria para
conciliar as duas coisas? Acho que conseguiria. Alguma fórmula, forma, há de
haver. Putz grilo, o que mais temia. A bateria do meu celular carregou. Agora
não há nada que me impeça de convidar a minha prima para uma cerveja na Praça e
de mandar o elogio para a minha amiga filósofa. Aliás, há algo que me impede,
eu mesmo. Vamos ver se depois do frio na barriga que ver o celular carregado me
deu, eu assimile o golpe e tome alguma iniciativa.
19h26. Mandei a ideia para o meu primo-irmão, na casa do
qual minha prima de Natal está hospedada. Dei o meu pequeno estímulo na
existência para a consecução do encontro. Não farei mais que isso. Não tenho
coragem de mandar a mensagem para a minha amiga filósofa no momento. Acho que
todos do grupo achariam estranho. Sei lá. Não sei mais o que falar da terapia.
Trocas com a existência. Eu me sinto egoísta. E quem não é? Como já disse de
novo e de novo, acredito que todos estamos aqui com uma única motivação,
agradar os nossos egos, seja destilando ódio, comprando um carro do ano ou
cuidando de leprosos. Tentamos fazer o que agrada mais o nosso ego e o ego
nunca está satisfeito, por isso seguimos em frente tentando saciar o que é
insaciável. No meu caso, particularmente, acho que o tenho saciado o mais
plenamente possível, por isso às vezes, sou acometido pelo tédio. Acho que o
tédio se dá quando não há nada mais a se buscar, quando se está satisfeito, com
o ego saciado. Mas o tédio não é uma sensação agradável, então acho que estou
equivocado, o tédio é apenas a falta de reconhecimento de que fome o ego tem. O
ego deseja mesmo quando não há mais nada a desejar, porque ele é sempre
desejoso, somos movidos pelos desejos. Nos submetemos a uma rotina doentia –
eu, não, minha rotina doentia é outra, escrever – para satisfazer o desejo de
status, de um papel social que possa ser dito de boca cheia ao próximo. Eu
morro de vergonha do meu status, mas não trocaria a minha paz escrita pela
loucura de trânsito, horários, estresses, frustrações, contas, ansiedades,
prazos, metas. A vergonha se apequena diante da enorme carga que é ser um ser
humano com status funcional, que contribui para o nosso belo quadro social e
tem o direito conquistado de dizer isso de boca cheia. O preço é muito alto
pelo status. Prefiro ter o status de fracassado do que sofrer a loucura dos
nossos dias. Prefiro a paz do que a guerra por um lugar ao sol, prefiro ficar à
margem, à sombra, não nasci para isso, o destino e minhas escolhas me fizeram
escritor de uma obra sem a mínima importância para humanidade outra que não a
minha. Em suma, eu sou o ser mais egoísta que conheço. Satisfaço o meu ego me
dizendo em palavras e me encontro liberado da corrida de ratos que é a
sociedade capitalista, da qual só colho o que me agrada. Mas isso não diz tudo
de mim. Me falta um pedaço que eu sozinho não satisfaço, o animal, o bicho
homem em mim anseia por um par, uma companheira para florescer intimidade e
trocar carinhos, talvez eventuais safadezas na cama. Mas estou tão satisfeito
por não ser obrigado a mover as engrenagens da sociedade humana que isso se
torna secundário. É preciso ter estômago, entretanto, para ser alguém como eu.
E muita dedicação. Escrevo uma média de 8 horas por dia, contando os finais de
semana, não tiro férias nunca e sou visto pelos que me cercam ou como alguém
que deu errado na vida, o bom e velho fracassado, ou como um espertalhão. Em
verdade, sou eu mesmo quem me vê como fracassado e espertalhão, independentemente
do que os outros acham. E para isso é necessário o tal do estômago. E uma boa
terapia. Hahaha. Se eu conseguir me achar alguém válido eu estarei feito. Acho
que a terapia tem que agir aí. O que é difícil, pois acho que nesse ponto
esbarro nos valores de Ju. Ah, esqueci de mencionar que, ao me distanciar da
roda-viva da sociedade, gradativamente me isolo dela e cada vez torna-se mais
difícil mergulhar nela. A sensação de alheamento da sociedade, que se torna
alienígena aos meus hábitos, é cada vez mais palpável e mais presente. E para
isso é preciso ter estômago também. Um estômago bastante forte porque o
rebuliço que vai dando nas entranhas a cada novo contato social é mais forte/difícil
que o anterior. Mas não vou ficar falando nisso pois senão ativo o meu modo
radicalmente antissocial e eu fiz uma sugestão ao meu primo-irmão e minha prima
de Natal de nos encontrarmos. Coincidência, no meio da frase anterior meu
primo-irmão disse que está no shopping e que minha prima foi ao cinema. Isso
quer dizer que já posso ativar o meu modo radicalmente antissocial? Não, porque
não quero. Embora esteja nele e não me aperceba, estou trancado no meu
quarto-ilha, ouvindo “Utopia” de Björk e escrevendo. Houve uma parte da sessão
em que me empolguei e disse, com absoluta sinceridade que a existência é uma
experiência fabulosa e rica, caminho por ruas ladeadas por prédios e banhada
por veículos que custam somados milhões de dólares, fora as coisas que não se
consegue precificar como os seres vivos, das árvores seculares a um “boa tarde”
respondido com um sorriso. Não cheguei a esses detalhes, mas disse que achava a
existência magnífica e exuberante e complemento que ela tanto mais se afigura
dessa forma quanto mais tempo fico enfurnado no meu quarto-ilha tal qual o homem
do mito da caverna ao lhe ser revelado a realidade que produz as sombras.
Quanto mais isolado fico, tanto mais difícil quanto mais magnífica fica a
existência fora do isolamento. As coisas mais miúdas me causam espanto aos
sentidos. Como a cor laranja da grade do portão contra o fundo verde do muro
recoberto de plantas do outro lado da rua, ambos dourados pelo sol recifense
das quatro da tarde, enquanto saboreio um delicioso cigarro ouvindo Depeche
Mode no fone de ouvido, o que faz parecer que a música está ecoando por todos
os lados e por todo o céu. Sim, a existência é magnífica, basta olhá-la da
maneira correta. A cena discorrida poderia ser para muitos reduzida ao fato
duro e sem graça de que estava esperando para ser atendido, mas acho essa uma
visão muito pobre da situação. Havia, sim, a expectativa de ser atendido por
Ju, mas havia muito mais do que isso, e me deixei embriagar por todo o resto,
encantado em como a existência é gratuitamente bela. Será que os mendigos a
veem? A beleza gratuita dos detalhes? Afinal tudo o que podem ter da vida é
aquilo que a existência oferta gratuitamente. Não sei. Tenho profunda
identificação e admiração pelos mendigos, são tão alienados da sociedade quanto
eu, ou ordens de grandeza mais, eu sou apenas uma anã branca, onde eles são
gigantes vermelhas da exclusão social. Mas eu me pego as vezes alienado da
condição de ser gente, como acredito muitas vezes que eles também se esqueçam
disso. Não, não posso me comparar com mendigos, é completamente injusto com
eles. São seres humanos de uma dignidade que me falta. São admiráveis na sua
perseverança em existir, de continuar existindo na mais absoluta miséria que,
por outro lado, lhes concede a mais absoluta liberdade. Mas acho que não se dão
conta disso, infelizmente. Eles, sim, podem ser filósofos. Esqueçam tudo o que
falei sobre mendigos, não tenho envergadura de nenhuma qualidade para falar
deles. Não os conheço, não privo de suas companhias, nada sei de suas vidas.
Conto uma mentira quando falo de mendigos. Eles não merecem isso. Melhor contar
do que conheço e sei que são as minhas percepções e experiências da vida na
existência tal qual vai dinamicamente se configurando. Não sei se falo ainda de
conteúdos da terapia. Só sei que acho mendigos mais dignos que eu. Eles não
tiveram muita escolha, eu tive todas as escolhas e escolhi ser vagabundo.
Resolvi escrever a minha vida para ninguém ler. Que tipo de vida é esse? Nossa,
como celular piscando me incomoda. Vou botá-lo em cima da minha confortável
cama. Como posso eu falar de mendigos dormindo numa cama como essa e me
sentindo incomodado porque o meu celular de última geração pisca? É patético.
Eu sou patético. Ou então sou genial. Não há muito espaço para meios-termos na
situação em que me encontro. Eu alcancei a vida que sempre sonhei, tornei-me
escritor como me foi revelado da forma mais parecida com uma iluminação divina
que eu posso conceber. Que me calou toda a angústia, desespero e repúdio pela
vida, substituindo tudo isso por uma clareza de propósito e uma paz de
espírito, um alívio inenarrável. Foi como ter descido às trevas para enxergar a
luz. Mas já narrei isso tantas vezes, estava rodando em torno de mim mesmo e
cheirando cola doidamente dentro da piscina a fim de perder a consciência e
morrer afogado quando finalmente perdi a consciência e submergi, a cola que
estava na lata escorreu e se espalhou por toda a superfície da piscina. Quando
recobrei a consciência, ainda zonzo, fui engolfado pela camada de cola na
superfície da piscina, que recobriu o resto do meu corpo ao sair dela. Quando
vi a merda que tinha feito na piscina e o meu estado às cinco da manhã de um
dia de semana, um ser totalmente desesperado e molhado e coberto de cola da
cabeça aos pés, eu pensei, “aonde eu cheguei? O que eu vou fazer da minha vida,
estou completamente fodido. Que merda do caralho...” foi aí que me veio a
iluminação que me preencheu com uma paz interior imensa, me livrando de toda a
angústia que sentia momentos antes. “Eu vou ser escritor! É isso!” Tomado de
paz e ânimo renovado, subi do jeito que estava e acordei a minha mãe dando
talvez o maior susto da sua vida ao me ver naquele estado deplorável. Disse que
queria reunir a família nuclear toda para fazer um comunicado muito importante.
Quando enfim todos se reuniram e contei que queria ser escritor, meu pai disse que
os únicos escritores brasileiros que ganharam a vida com o que escrevem foram
Luís Fernando Veríssimo e Jorge Amado, até Machado de Assis era funcionário
público. Bastou essa frase para demolir todo o meu sonho e me reduzir a minha
insignificância e depois de uma licença médica, me mandar de novo para o
mercado. Obviamente outras crises sucederam-se. Bem, resumo da ópera, meu pai
morreu, eu me tornei escritor e, realmente, não ganho um centavo com o que escrevo
como ele previu, o que ele não previu é que iriam me achar incapaz de viver
sozinho depois de descobrirem que eu quase explodi um andar inteiro ao abrir
todas as bocas de gás do meu fogão ligado ao sistema de gás encanado do prédio,
numa posterior tentativa de suicídio, e me concederam a curatela em troca de
todos os meus direitos civis. Não sou bom mesmo vivendo sozinho. Não gosto da
solidão absoluta e de fato. Gosto de estar isolado no quarto-ilha, mas sabendo
que existe mais gente na casa ou que tais pessoas vão chegar. Isso me traz um
alento muito grande. E me impede de fazer besteiras. Eu sozinho de fato, ao léu
no mundo, certamente não conseguiria ficar longe da cola por muito tempo. Nem
sei se a cola é realmente um problema tão grande para mim. Não posso me
enganar, a cola é um problema grande para mim, basta mencionar a fissura que me
torna um psicopata com um objetivo só na vida, obter e consumir cola a qualquer
custo, seja o pouco de dignidade que me resta, seja a paz de espírito da minha
mãe, seja a minha liberdade. Por falar em liberdade, eu a tenho meio que
cerceada e, cada vez mais me importo menos com isso, o que eu acho um movimento
doentio, cada vez me curvo mais sobre a escrita, certo de que é minha vocação,
conforme me veio do nada naquele momento crítico de desespero absoluto e porque
acho extremamente fácil, cômodo e, por vezes, catártico. Só não é clara para
mim a finalidade dos meus escritos. Sei que escrevo, na esperança que algo no
meio de tanta besteira se salve. Quantidade pode aleatoriamente gerar trechos
de qualidade. Hahahaha. O caos está do meu lado. Eu escrevo, de repente nalguma
linha, algum corajoso leitor encontre algo que faça sentido para ele ou ela.
Você, se é que alguém vai ler esse post. Nunca ninguém chega ao final. Disso eu
sei. Já fiz o teste. Por que escrevo, então, se escrevo para ninguém? Bom,
porque é minha vocação, acho eu, porque preenche o meu tempo e me faz sentir
livre e porque dá sentido a uma vida que de outra forma, não teria sentido
nenhum. Filmes não me preenchem, ou qualquer forma passiva de entretenimento
chega nem perto da habilidade de criar e recriar a mim mesmo através das
palavras. Dizer é bom demais. 21h45. Vou pegar um copo de Coca.
21h49. Falei muito hoje, vixe. A terapia me fez soltar o
verbo.
-x-x-x-x-
14h28. Constatei ao reler esse truncado texto que minha
autoestima está mais que baixa, está negativa. Me qualifiquei mais de uma vez
como fracassado. Estou sem saco para escrever no momento. Meu primo está aí do
lado e quer aparentemente jogar Snipperclips aqui comigo. Não estou com
vontade. Não estou com vontade de socialização nem de videogame. Mesmo sendo
Snipperclips com o meu primo urbano. Não sei por que estou resistente à ideia.
Hoje tem missa de um ano da morte do meu avô. Hoje também deveria chegar o meu
busto do Hulk, mas ele ainda está em evento de liberação na alfândega de São
Paulo, acho que porque não paguei ainda a tributação sobre a peça. Teria que
ligar de novo para DHL para me informar. Não estou com coragem para fazer isso.
Não por ora. Arre, me sinto prisioneiro da minha própria vida. Vou pegar mais
Coca e terminar esse post por aqui. Acho que vou me dedicar ao meu novo projeto
paralelo, escrever sete dias da minha vida na tentativa de transformar em um
livro. Vou reiniciar o computador para ver se o Bluetooth do computador revive.
E já parto para lá. A conclusão desse texto para mim? Que ainda há muita
terapia a ser feita. Hahaha.
Lembrando que para ler mais sobre o meu medíocre cotidiano, é só acessar